segunda-feira, novembro 27, 2006

Os Espinhos

Conheci muita gente ridícula na minha vida. Pessoas inconvenientes, espaçosas, faladeiras, sem tato, sem noção e sem simancol. É fácil encontra-las no trabalho, na rua, na família — talvez a fonte principal e mais numerosa. Também li muito sobre elas. Suas personalidades comezinhas, seus modos ora subservientes ora cheios de uma empáfia imaginária e degradante são um prato cheio para os escritores, que criaram tipos “clássicos” de ridículos. E o mais engraçado disso é que a maioria acredita que você é a melhor amiga delas, quando na verdade adoraria poder estar em outro lugar e de preferência com pessoas não tão visivelmente chatas.

A única coisa que jamais se tem coragem de confessar é que você foi, é ou tem grandes chances de ser ridículo no futuro. Ou pior: não saber se um dia você foi, é ou será considerado ridículo — afinal ser ridículo é uma definição imposta por outros, e depois da primeira dificilmente as pessoas se esquecem. Aí você vira assunto de rodinha, com direito a cochichos, olhares e risinhos. Eu sei, você sabe: fazemos isso diariamente, quase na mesma freqüência com que respiramos. Não estou querendo dar uma de moralizadora. Falar mal das pessoas é uma forma de extravasar raivas e frustrações diante de pessoas que nos motivam a se sentir assim. Um ato natural, até saudável — e melhor do que dar um tiro no tal desafeto. E se elas dão motivo pra falar é inevitável, quase obrigatório. Mas nem perguntem o que acontece quando você — isso mesmo, VOCÊ — é o ridículo da trama. Melhor não perguntar.

Meu medo é me tornar exatamente aquilo que temo. O que todos nós, pelo menos uma vez na vida, tememos: o medo de nos tornarmos ridículos, dignos de pena ou merecedores de olhos revirados diante de uma aproximação. Há quem saiba ter sido ridículo num determinado momento e não guardar grandes traumas, podendo até rir da situação e de si mesmo. Mas há aqueles que vivem com a guarda levantada, temendo que as pessoas descubram que é capaz de ter atitudes incômodas. Aquela pessoa que te trata bem pode no fundo não te suportar, e até mesmo falar mal de você pelas costas. Como saber? Até que ponto você pode se aproximar de uma pessoa sem invadir a “zona de conforto”? Não sei, nunca me explicaram muita coisa sobre a vida e o pouco que aprendi foi na base da tentativa-erro. E nessa brincadeira levei muita pancada.

Talvez por isso seja mais fácil simplesmente não se envolver. Ou, pelo menos, manter uma distância regulamentar. Quando se passa despercebido não há nada de ruim ou de bom que se possa pensar ou falar. Conheço pessoas que vivem assim — ensimesmadas, fechadas em seu próprio mundo e restringindo o contato com o restante da humanidade ao mínimo necessário. Algumas até acham que vivem muito bem assim — e quem somos nós para duvidar? Mas aí eu me lembro que a idéia de viver numa redoma nunca me atraiu, já que passei uma boa temporada numa. Pior do que sofrer é ficar dormente, atrofiado, morto em existência. Pelo menos a dor te mostra que você ainda está vivo, e de vez em quando se tem a perspectiva de ter alegria, parar de chorar. Já disse isso uma vez: não me orgulho dessa minha coragem, acho até que coragem não é a palavra mais adequada. Talvez seja só a vida e a necessidade de ter alguém por perto falando mais alto — e a despeito de tudo, a vontade da vida sempre consegue se manifestar de alguma forma. Uma vez um professor de psicologia disse que se aproximar do outro é tão difícil quanto um beijo entre dois porcos-espinhos: por mais que eles se amem, fatalmente os espinhos que usam para se proteger acabam machucando o outro durante o contato. Espero um dia poder fazer com que meus espinhos não machuquem tanto.

quarta-feira, novembro 22, 2006

Cuidado, frágil!



Falar que você está triste não é fácil. É preciso ter cuidado para não parecer piegas nem que você está numa de ficar com pena de si mesma — e no fundo querendo que os outros te achem uma coitadinha. Até porque, para todos os efeitos, eu estou muito bem: acordo geralmente no mesmo horário, pago conta, cuido da casa, converso, rio, trabalho, estudo, faço as seis refeições e até estou conseguindo dormir minhas oito horas diárias. E tudo isso sem recorrer a calmantes, arrebites, laxantes ou qualquer coisa que mexa com a química do corpo. Mas a verdade é que eu sinto como se alguém tivesse me jogado um mau olhado e sugado toda minha energia, uma casca a ponto de arrebentar se pressionarem com um pouco mais de força. Não sei se é essa coisa de aniversário, fim de ano, muitas mudanças de ciclo ao mesmo tempo e o cansaço acumulado desse ano em que aconteceu de um tudo. Mas mesmo tentando manter ao máximo minha rotina, tem horas que não dá. Já fiquei uma manhã inteira perambulando pela casa vazia, com coisas para fazer e simplesmente não tinha ânimo para começar. Sair muitas vezes é um grande sacrifício, principalmente nos horários de sol a pino. Talvez eu seja a única que se sente assim, mas alguém já notou que a claridade excessiva consegue deprimir tanto quanto o cinzento de um dia nublado? O céu fica de um azul doído, a luz quase te cega, o calor te oprime e queima a pele... acho que é por essas que nem mais cogito em ir à praia.

E do que eu sinto falta? Não sei exatamente. Eu sempre tive a impressão de que as pessoas são bem-resolvidas, não sentem tristeza nem medo e só eu que padecia dos males ordinários do mundo. Cólica menstrual? Nem pensar! Mas uma vez eu vi um episódio do Sex and the City em que a Samantha — a mais descolada, independente e bem-resolvida das quatro — pegava uma gripe daquelas e, apesar da agenda recheada de homens bonitos e interessantes, não tinha um pra ajudá-la e recolocar a cortina que havia caído. E justamente a cortina da janela do quarto, que ficava a luz dando bem em cima dela. Por sorte, a Carrie acabou indo socorrê-la e tudo ficou bem. Mesmo estando longe de ser uma pessoa gregária, acho que eu já teria enlouquecido se não pudesse contar com as pessoas queridas que me cercam, que falam como estou bonita, que reparam e elogiam a minha bolsa nova, que me dão conselhos bárbaros, que partilham comidinhas e momentos de “eu mereço!”, que conversam besteiras horas a fio, que dizem que eu estou deliciosamente intratável e que mereço uma surra, que riem das minhas paródias de bandas de forró, etc, etc. Mas acho que não seria de todo mal se as pessoas tivessem um pouco mais de ternura, principalmente aquelas que, teórica e geneticamente, deveriam ser mais próximas de você. Ninguém tem obrigação de ser terno, eu sei, mas não dói, não compromete muito tempo e você até se sente bem depois. Enfim...

terça-feira, outubro 31, 2006

Sobre anáguas e valsas vienenses

Alguém pode me dizer qual o sentido de existir festas de quinze anos? Tudo bem que a maioria dos rituais não tem lá grande razão de ser, mas pra mim festa de quinze anos é a prova viva de que o brega — assim como o clássico — nunca morre. Não sou convidada para esses débuts há anos, mas nem na minha época eu achava que usar vestido com vinte anáguas e valsar com todos os homens da família tinham algum sentido. Talvez até fizesse — no tempo da valsa e das anáguas.

Tudo bem, devo confessar: eu tive uma festa de quinze anos. Confesso a Deus Todo-Poderoso e a vós irmãos e irmãs que eu tive uma festa de quinze anos com direito a dois vestidos, celebração na igreja (nessa época eu ainda era uma boa católica), valsa, cinco quilos a menos de estresse e aquele cerimonial ridículo dizendo que o próximo desafio da minha vida seria o vestibular. Pela culpa, pela tão grande culpa da minha mãe que sonhava que eu tivesse aquilo que ela não teve, ainda que não compartilhássemos o mesmo sonho. Certo, pra não dizer que a culpa sempre sobra pra mãe, mesmo não tendo feito questão de uma festa, também não resisti à idéia. Mas a verdade é que eu preferia ter gasto o dinheiro da festa com um intercâmbio, uma viagem à Europa, algo que enriquecesse meu espírito — e não com fotos e vídeo que eu me recuso terminantemente a ver e mostrar pra quem quer que seja!

Ainda assim, eu posso dizer que eu fiz uma festa, digamos, sem exageros. Porque eu já vi muita, mas muita marmotagem nessas festas. E eu não estou falando da debutante que cai da pontezinha montada em cima da piscina do bufê — mas também, olha que idéia, fazer a menina andar em cima de uma pontezinha estreita com aquele vestidão, pior que isso só aquela prova do Faustão, da ponte do rio que cai. Já vi festa em que os cantores, ao invés de cantar “Você é linda, mais que demais”, diziam “Fulaninha é linda, mais que demais”. Mas o auge mesmo foi a vez que fui convidada pra uma festa com tema japonês. Até aí tudo bem, uma decoração diferente, umas luminárias de papel charmosas... até que aparece a tal da debutante vestida de gueixa! Aquela peruca preta armada, a cara da menina branca e com aquela boquinha de boneca Emília, quimono vermelho e andando com aquele passinho curtinho de japonesa estereotipada. Claro que eu dei vexame com meu incontrolável ataque de riso, mas que nada que não passasse despercebido diante daquela cena medonha. Nessas horas eu fico me perguntando como é que um pai e uma mãe deixam a filha passar por isso, quando não foram mentores intelectuais desse abuso. É muito anacronismo...

Enfim, a minha sorte é que, depois de todo o auê que foi a minha festa — porque, ao contrário das milhares de aniversariantes que tem que passar a festa inteira só batendo foto, eu fui curtir demais — minha mãe disse que não faria festa de casamento pra mim (só mesmo mãe pra ver a vida do filho como uma sucessão de fatos óbvios). Mas aí quem é que bate o pé: meu pai! “Não, porque você fez a festa de casamento do Emanuel (meu irmão mais velho), vai ter que fazer dos outros. E tem que ser em Sobral” — visualizem as minhas feições crispadas diante da última frase. Mas ao menos hoje conto com minha maioridade e um espírito bem menos suscetível para não deixar que a breguice tome mais esse espaço no mundo. Até porque o melhor casamento do qual tive notícia, eu não fui. Minha prima resolveu oficializar a união depois de três anos morando com o marido. O que eles fizeram? Chamaram os respectivos pais, compraram um bolo, chamaram a juíza, puseram uma toalha branca na mesa e pronto! Feito o casamento. Simples, terno, a cara deles e do amor que eles têm. Pra mim não importa o que essas cerimônias devam significar, desde que elas tenham um significado pra quem realmente interessa. E se dá pra fazer isso com um bolo e uma toalha branca, que bom!

terça-feira, outubro 10, 2006

Dia de Domingo

Domingo, dia de sol. As boas famílias da cidade se preparam para ir ao clube. Cidade pequena, sabe como é. Maiôs, fofoca, cerveja, bronzeador, batata frita, crianças de lábios roxos e barriga cheia de tanto beber água da piscina. O dia, como sempre, nada prometia (ou você espera alguma coisa de um domingo?).

Do outro lado do rio, o rapaz também se dirigia ao clube. Mas não iria entrar. Não podia. Subiu o declive de terra que levava até os fundos do clube. Havia um espaço que as plantas não cobriam e um buraco nas grades. Dois dias antes, o rapaz cavou um buraco perto daquela parte do gradil, o suficiente para encaixar parte do corpo. Ficou à espera.

Nos fundos do clube, três chuveiros e algumas cadeiras de praia. Era ali que as mulheres iam se bronzear. Algumas se deitavam nas cadeiras, outras já ficavam de bruços nas toalhas. Passavam óleo de amêndoas umas nas outras. Lindo. Havia umas feias, pelancudas, é verdade. Mas ele só tinha olhos para as mocinhas. Magrinhas, peles brilhantes, sorriam macio enquanto conversavam.

Dali o rapaz podia sentir o cheiro delas. Ou pensava que podia, sei lá. Só sabia que era diferente. Diferente do cheiro da casa, da mãe, das irmãs. Diferente até do cheiro da Chica Fulepão, aquele perfume enjoativo que se misturava ao esgoto da rua.
Então algo no meio dele começou a despertar.

Uma menina de nove anos percebeu que algo estranho se mexia no meio do mato, sem parar. Como ninguém prestasse atenção, foi se aproximando para ver o que era.

─ Puta que pariu! ─ pensou ele. Mas não conseguiu parar. Fechava os olhos e aquele cheiro invadia-lhe as narinas. Tão lindas, tão...hum...macias...ai, só um pouco, só mais um...

A menina começou a ouvir gemidos. Baixinhos. Então ela se agachou e colocou a cabeça para ver. E dois olhares assustados se encontraram.

─ Clarinha, o que você tá fazendo aí? ─ disse à mãe ao ver a menina ajoelhada, limpando algo do rosto.

Antes que a mãe se levantasse, a menina saiu correndo. O vento batia e deixava seu rosto mais preguento ainda. Parou no banheiro feminino e se trancou no box. Não chorava, não estava com medo. Apenas lembrava sem parar daqueles olhos. Derramando lágrimas.

Enfim afastou aqueles pensamentos e ligou o chuveiro. Amadurecia.

terça-feira, outubro 03, 2006

quarta-feira, setembro 27, 2006

Por que (diabos) eu escrevo...

A minha relação com a escrita é árdua e contraditória. Escrever para mim sempre foi uma necessidade, uma coisa que sei que faço bem e na qual coloco o que há de melhor em mim. Mas ao mesmo tempo não consigo escrever tanto nem da forma como eu gostaria, ou porque não me acho boa o suficiente ou porque o ato de escrever exige muito de você, e eu não sei se eu tenho tanto assim a dar. Várias vezes eu tinha pensado em desistir de escrever até que assisti a uma entrevista com a Rachel de Queiroz — e ela é a escritora que mais admiro porque ela escreve de forma simples, traçando as coisas da vida com a mesma fluidez que a vida age sobre nós — dizendo que tinha uma preguiça absurda de escrever, a tal ponto que se alguém fosse vasculhar as gavetas de sua escrivaninha não encontraria sequer o rascunho de algo novo ou projetos paralelos. Não que isso tenha me consolado de todo, mas se Rachel foi o que foi sendo uma preguiçosa, quem sabe eu não tenho esperança?

Acho que escrevo desde antes de saber como escrever. Quando eu era bem menininha eu vivia divagando comigo mesma a história da Pasta Poderosa (meu Deus, eu não acredito que eu tô falando nisso, mas lá vai...). Era a história de uma princesa que precisava salvar o seu reino e o príncipe que ela amava usando a Pasta Poderosa, a única arma capaz de acabar com o mal do mundo. Acontece que, naquela época, começaram a aparecer as primeiras pastas de dente coloridas e a Signal vinha com aquelas linhazinhas vermelhas, bem docinhas e sabe Deus por quê eu achava aquilo o máximo (ah, eu tinha três anos e morava em Sobral, vocês queriam que eu divagasse sobre o existencialismo em Sartre?). Foi daí que surgiu a história da Pasta. Mas o importante disso tudo é que eu pegava várias folhas de papel e ficava tentando desenhar as letras, pensando nas situações que a minha princesa precisaria enfrentar para salvar o dia. Pobre da minha princesa, nunca dei um final para a sua jornada...

Depois que eu fiz a alfabetização, as coisas foram piorando. Minha mãe trabalhava no INSS (que no meu tempo ainda era INPS) e lá tinha um monte de máquina de escrever (porque no meu tempo ainda não tinha computador). Aí eu ficava a manhã toda lá, escrevendo umas notícias como se fosse de jornal. Acho que eu ouvia na televisão ou no programa do Isaías Nicolau (precursor sobralense do Ratinho no rádio que a Jesus, minha babá, adorava ouvir) e escrevia tudo na máquina. Minha mãe até hoje guarda uma “notícia” que eu fiz para a Folha de São Paulo sobre um assassinato a faca, ainda por cima com tinta vermelha! Naquela época eu achava lindo uma pessoa que sabia escrever à máquina, os dedos dançando no teclado, o barulho que ela fazia quando se empurrava aquele rolo pra bater a frase seguinte. E foi aí que eu comecei a pensar em ser jornalista, porque achava que todo dia eu ia poder escrever minhas histórias na máquina de escrever, não só as que eu ouvia como também as que brotassem da minha cabeça.

E hoje? Bom, minha mãe fez uma ótima economia quando se recusou a pagar um curso de datilografia pra mim e meu pai perdeu a grande esperança de ter uma médica na família. Eu comprei meu computador (em três prestações que pareciam não ter fim!) e a partir de hoje decidi que não vou usá-lo apenas para escrever o que eu ouço dos outros, mas também aquilo que se passa em mim (não vou dizer no meu coração ou na minha alma ou mesmo minha mente depois de ter lido Merleau-Ponty). Eu poderia contar muito mais sobre a minha história com a escrita, mas além de preguiçosa eu escrevo devagar e apenas com dois dedos (viu como o curso de datilografia poderia ter sido útil?). Então eu vou indo que tem um monte de texto e trabalho à minha espera. Adeus.

quinta-feira, agosto 17, 2006

Prova dos Nove

Hoje é o meu segundo dia em São Paulo. Sempre quis conhecer essa cidade, não só pela grandeza, pelos museus, pela vida noturna ou mesmo pela promissora 25 de Março (será que eu encontro um mp3 player por menos de R$ 100?). Queria conhecer para ter a minha opinião sobre ela. Sim, porque São Paulo é um lugar que se ama ou se odeia, não dá pra ficar em cima do muro. Antes de vir, ouvi desde elogios rasgados sobre como a cidade é limpa, organizada e tem polícia em quase toda esquina até os mais velhos clichês sobre a selva de pedra cruel e desumana na qual eu seria assaltada, estuprada e morta. E como as coisas ruins quase sempre ecoam mais forte em nossos corações, os dias que antecederam a viagem foram muito difíceis. Fiquei me perguntando o que faria lá (quer dizer, aqui). Claro, vim com um objetivo justo e bem definido, que era pesquisar filmes para a minha dissertação e, de quebra, ter umas merecidas férias, saindo do esquema praia do Ceará. Mas depois fiquei com medo. E se não desse certo? E se eu não encontrasse o que eu estava procurando (e não estou falando somente da minha pesquisa)? E se eu acabasse passando quinze dias trancada em casa, com medo de sair na rua?

O que eu sei é que meus medos se desfizeram na hora que entrei no avião, na madrugada de terça-feira. Senti que eu precisava fazer essa viagem. Precisava de outra temperatura, outras roupas, outras comidas, outros cheiros, outras pessoas, outro eu. Precisava, sobretudo, de uma alternativa, nem que fosse por quinze dias. Gosto da minha vida em Fortaleza, da minha família, dos meus amigos, das minhas atividades. Mas tem horas que a gente se cansa de tudo: o pensamento tacanho, o machismo, as limitações, as pessoas que acham que sabem o que é melhor pra você, o calor, o forró desmantelado, tudo. Aí é hora de conhecer outras coisas, lidar com outros códigos, não importa se você vai se adaptar a eles ou não.

Um dia antes de viajar, meu irmão comentou que jamais teria coragem de ir a São Paulo sozinho por tanto tempo. E olha que ele é um homem de quase 30 anos! Então eu olhei pra ele e respondi: “É porque eu sou ousada!”. Parece uma resposta boba, vinda de uma caçula que quer provocar a família. Nunca na minha vida me senti ousada, apesar de morar sozinha desde os catorze anos e de outras coisas que nenhuma das minhas amigas fez ou viveu. Mas a verdade é que eu estava dizendo aquilo para mim mesma, que eu era corajosa e forte o suficiente para enfrentar o desconhecido. Que eu era diferente do restante da minha família, mais apegada ao lugar onde nasceram e a uma vida calma e previsível. Que não deixaria as pequenas coisas me afastarem do caminho que tracei para mim mesma. Que mesmo que tivesse que sofrer eu não desistiria, a despeito de todas as previsões ruins que costumam fazer sobre mim. Tem horas que a gente precisa ser mais forte do que nós mesmas. Encontrar forças que não conhecia ou mesmo que não tinha para lidar com essa vida-rapadura (que é doce, mas também é bem dura). Estou tentando. São Paulo é meu estágio probatório.