domingo, outubro 28, 2007

Não-Dito

Hoje sou silêncio
Quero selar meus lábios entreabertos
para não deixar entrar o mundo
calar minha voz quase sempre em tom acima
e fechar minhas orelhas pro zumbido
do rumor que vem de fora
Fora com palavras, gestos, sinais inúteis
com todos os gêneros de falastrice
Quero poder um instante fechar-me em mim
abrindo mão daquilo que ensurdece
para perceber o que realmente importa
Deixo apenas meus olhos
e meus poros, bem abertos
Só assim o terei da maneira devida
Permito somente que o vento
e o silêncio me atravessem
Eles que te trazem até mim sem que se perceba
Vem, então, falar-me com teus olhos
pois onde há silêncio não há limites
É onde tudo pode ser dito sem nada dizer
O silêncio é criador
Ele dá voz e forma aos sentidos
É onde o amor floresce
ainda que pareça simples desconcerto
Por isso nele posso me deixar perder
porque sei que ali tu me encontrarás

sábado, setembro 01, 2007

Falta

Queria falar sobre o céu, com esse azul sem nuvens que os turistas acham lindo mas que eu considero doído e triste. Queria falar da lua cheia que quase me fez bater o carro várias vezes esta semana para contemplá-la — mamãe diz que nisso sou igualzinha a uma prima dela que dirigia olhando pra a rua, pros outros carros, pra dentro de si... pra tudo, menos pra FRENTE. Mas sabe que nem acho a comparação ruim?

Queria partilhar minha indignação com a política grotesca e burra que rege desde o Senado até certas relações pessoais. Queria amainar essa minha preguiça ontológica. Queria viajar para São Paulo. Queria ser mais decidida para saber se faço relaxamento de novo no cabelo e se compro um sapato novo para o casamento da Paula Virgínia. Queria ler os livros que comprei sem sentir sono. Queria lembrar dos sonhos que tive na noite anterior. Queria saber fazer orçamento, corte e costura e as declinações do alemão. Queria parar de comer tanto doce e pão — mas logo agora que eu descobri o prazer de um ciabatta... hum, posso deixar pra depois?

Queria que houvesse lugares em Fortaleza para patinar e andar de bicicleta. Queria rever as pessoas de que tenho saudade. Queria nunca perder o homem que eu amo. Queria ter um gato. Queria comprar pilhas recarregáveis para voltar a fotografar. Queria dizer ao meu sobrinho que tudo vai dar certo. Queria que os livros que pedi chegassem logo. Queria tomar banho de mar e comer caranguejo. Queria sentir frio. Queria que chovesse. Queria que não houvesse passarinhos em gaiolas.

Queria lembrar como era ser criança. Queria saber envelhecer. Queria não ter medo de morrer. Queria escrever um livro. Queria saber quando vai chegar a hora. Queria não ser piegas e não usar essa forma de texto tão batida. Queria dizer aos meus irmãos que os amo profundamente ainda que sejamos de barros diferentes. Queria que meus amigos nunca esquecessem de quanto sou grata pela vida ter-nos colocado no mesmo caminho. Queria morrer sabendo que iria me transformar em amor, vento e terra molhada. Queria saber me abandonar nas mãos de Deus.

Queria a minha mãe.

domingo, julho 15, 2007

A Primeira Briga



Uma hora você está toda lépida e fagueira, olhando para a pessoa amada e se perguntando como tudo pode estar dando tão perfeitamente certo. Você se sente feliz — que nem pinto no lixo, como se dizia — só de poder olhar, abraçar, fazer carinho, essas coisas bobas e lindas que todo apaixonado faz e gosta de ter de volta. Afinal, ele te ama, você o ama, e os dois como casal são o equivalente material daquela coisa de “feitos um para o outro”. É, tudo isso é muito bom até que acontece a briga, o entrevero. E você percebe que o equilíbrio amoroso é tão instável quanto a teia de uma aranha. O coração vai ficando pequenininho na caixa do peito ao perceber que todo aquele lindo castelo que você construiu era de areia e a onda levou — pelo menos o castelinho do amor-perfeito, do mar de rosas que não existe mas que a gente sempre fica tentado pra se deixar fiar pela ilusão.

E quase sempre tudo começa de uma brincadeira, das implicâncias tão comuns entre namorados. Mas aí dá na cabeça de um interpretar de outra maneira o que o outro sempre faz ou achar que ele está passando do limite. Só que ao invés desse um — digamos a verdade, dessa uma, que mulher é quase sempre quem começa mesmo —, ao invés dela simplesmente dizer que não gostou, vai fazendo uma cena e começa a tomar os seus exageros, querendo fazer de sereno tempestade. E o outro naturalmente não vai gostar nada disso. Só depois de muito tempo é que ela se toca de que ele ficou magoado meeesmo. E aí não adianta mais abraço, beijinho, desculpa, explicação. Deu-se o insucesso, a briga está armada.

Você resolve ir prum lado esperando que ele venha fazer alguma coisa — você nem quer mais que peça, só quer que ele dê uma deixa pra você se desculpar. Mas ele fica pro lado dele, seco, parecendo outro. Talvez queira que você faça a mesma coisa. Talvez esteja curtindo a raiva, que homem no geral é fácil de lidar mas se magoa é a coisa mais dificultosa. E o pior é que você nem pode ir embora, esperar a raiva sua e dele passar: aconteceu justo no fim-de-semana em que ele foi te buscar em casa e agora você não tem como voltar. Podia-se pegar um ônibus, um táxi ou até mesmo pedir para ele te deixar em casa (mas cadê que o orgulho deixa?). Mas mesmo magoado ele não permite — e sair escondida sem avisá-lo só iria piorar as coisas.

Assim vai passando o tempo: um pro lado, outro pro outro, e no meio aquele silêncio desolador. De repente ele abre a porta do quarto. Você sabe que ele está te olhando, mas prefere fingir que está lendo atentamente uma página da internet falando sobre a vida dos ornitorrincos. Passa um tempo, ele vem e faz uma pergunta burocrática. Você fala tentando colocar um pouco de doce na resposta, mas ele nem percebe. Ele sai. Fica perambulando pela casa, você naquela expectativa... aí ele volta pro quarto e fecha a porta! Você não ouve mais o barulho da televisão, o silêncio fica ainda pior. Então resolve ir quietinha até o corredor e vê que ainda tem luz pela fresta da porta: está acordado. Mas até quando? Será que ele vai vir e burocraticamente te chamar para dormir? E você vai aceitar? Ou cair no choro que está segurando há mais de meia hora? Não, não, poderia parecer um estratagema para amolecer-lhe o coração, por mais que as lágrimas fossem verdadeiras. Como eu disse, sempre há o orgulho para abastecer esse tipo de situação. E se ele não vier nunca? Se ele for dormir sem nem querer saber como você ficará? Ai, não se sabe o que é o pior. A vontade nem é mais de ir embora. É de sumir, virar fumacinha diante de toda essa indiferença.

Mas aí ele vem de novo, com aquela vozinha carinhosa que você conhece. E te abraça, faz carinho, perguntando se você não vem dormir. Você quase não acredita: não sabe se ri, se chora, se faz as duas coisas juntas. Então vocês se olham, e de uma certa maneira tomam consciência de que as coisas não podem ser mais como eram, despreocupadas. Percebem que o amor é uma coisa por demais frágil e que precisa de muito cuidado. E talvez pela primeira vez ambos sintam medo. Aquela certeza pueril de que os dois se encaixam bonitinho dá lugar ao fato de que o equilíbrio é feito com um quebrando os cantos do outro pra se encaixar minimamente. E essa quebra é sempre dolorosa. Incerta quanto aos resultados, mas necessária. Mas basta aquele olhar de reconciliação para saber que vale a pena.

terça-feira, junho 19, 2007

Um pedaço de mim



Há anos eu não fazia um disparate. E nunca havia feito um virtual. Achava que era uma coisa boba, mas deu um bom trabalho pensar nas respostas, que à primeira vista parecem óbvias. Mas é preciso revolver no quarto de despejo de nossas lembranças e preferências para responder – por sinal, não sei o de vocês, mas o meu é bem bagunçado. Acabei mesclando preferências atuais com coisas bem do passado, que já não lembrava, mas que me marcaram muito. Lembrei que gostava (e ainda gosto) de histórias de detetive, mas nunca mais me havia animado a comprar e ler – mais um item para a lista de novas prioridades. E também que sei arrumar o cabelo sozinha, só faço penteado em salão se estou com preguiça ou sem tempo. Quando criança perdia o café para fazer trunfa no cabelo. E ficavam bonitas, ninguém entendia como eu conseguia prender bem sem usar mil grampos. Hoje sei que sou uma grande fã do Peter Lorre, ator alemão, um dos maiores vilões do cinema que acabei descobrindo assistindo filmes para a minha pesquisa. E que sei escolher bons lugares para comer, não só pela boa comida como por serem lugares bonitos – e isso é tudo pra mim.Também deveria ser para a maioria dos estabelecimentos sem que isso acarretasse num superinflacionamento da conta.

Lucy, você lançou o desafio e aí está. Não teria ninguém em mente para quem lançar essas perguntas neste momento, até porque sou uma blogueira iniciante e relapsa. Mas se alguém além das dez moscas fãs da Dietrich quiser responder, let me know.

1. Sete coisas que faço bem:
• Macarrão a carbonara
• Compras no supermercado (ou “fazer mercantil”, como se diz no Ceará)
• Arrumar o cabelo
• Fazer massagem
• Escolher restaurantes
• Dirigir (principalmente em estrada)
• Conversar por hoooooras

2. Sete coisas que não sei fazer:
• Tocar piano
• Dançar balé
• Guardar dinheiro
• Procurar coisas
• Esconder sentimentos
• Abrir garrafa de vinho
• Comer comida natural e dizer que amei

3. Sete coisas que me atraem no sexo oposto:
• Cuidado
• Inteligêngia
• Maldade e veneno (na medida certa)
• Bom humor
• Barba (também vale aquela por fazer, que arranha o rosto, hummm!)
• Boa pegada (que ninguém tá falando aqui de amor espiritual, ora!)
• Não ter medo de dizer que gosta de você

4. Sete coisas que não suporto no sexo oposto:
• Indefinição
• Indiferença
• Machismo
• Medo de sentir
• Não saber dialogar (ou fazer isso na base do grito e da briga)
• Ignorar o fato de que homens e mulheres são seres diferentes
• Desmantelo (porque isso inclui os gostos musicais, literários – quando existem -, de roupas, de estilo de vida duvidosos)

5. Sete coisas que digo com freqüência:
• Ora, pipocas!
• Vaaalha... (com esse jeitinho arrastado mesmo)
• Tô com fome!
• Vixe!
• Tô com sono...
• O que você trouxe pra mim?
• Nãã...

6. Sete atores/atrizes que eu gosto:
• Marília Pêra
• Clive Owen
• Caio Blat
• Alessandra Negrini
• Raul Cortez
• Audrey Hepburn
• Dustin Hoffman
• Peter Lorre

7. Sete atores/atrizes que eu detesto:
• Sandra Bullock
• Dolph Lundgren
• Fernanda Lima (será que dá pra considerar atriz só porque esteve em novela?)
• Marcos Pasquim
• Humberto Martins
• Samara Felippo
• Regina (eu tenho medo!) Duarte

8. Sete filmes que eu adoro:
• O fabuloso destino de Amélie Poulain
• Bonequinha de Luxo
• M, o vampiro de Düsseldorf
• Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças
• Houve uma vez dois verões
• O Poderoso Chefão (I e II)
• Lavoura Arcaica

9. Sete filmes que eu detesto:
• Porky’s (todos)
• Todo Mundo em Pânico (não deviam ter gasto película com isso, custa tão caro...)
• Xuxa Gêmeas (“porque eu não sei ser vilã”)
• High School Musical (Deus, eles não sabem o que fazem!)
• Jogos Mortais (não dá uma completa gastura em vocês, não?)
• Pornochanchadas (mas a palavra em si é genial, não é?)
• Filmes com bichos humanizados


10. Sete livros favoritos:
• Dôra, Doralina – Rachel de Queiroz
• Elas Gostam de Apanhar – Nelson Rodrigues
• Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres – Clarice Lispector
• Os olhos que não queriam dormir – Maria Antônia Ramos Coutinho (foi um dos primeiros livros que li, maravilhoso)
• Histórias de detetive em geral
• A Insustentável Leveza do Ser – Milan Kundera
• O Evangelho segundo Jesus Cristo – José Saramago


11. Sete lugares favoritos: • São Paulo
• Cinema
• Teatro
• Lugares antigos em geral
• Sebos
• Serra da Meruoca e Guaramiranga
• Restaurantes

segunda-feira, junho 04, 2007

Sei lá, eu acho que... sei não!


Passei um bom tempo sem postar. Preguiça, falta de tempo, mas no fundo acho que era falta mesmo do que dizer. Ou talvez seja preciso fazer o que estou fazendo agora: parar de esperar pela tal de inspiração (até porque eu prefiro caras a musas inspiradoras, oras!) e colar meu traseiro flácido na cadeira para escrever alguma coisa. E por falar em flácido... consegui engordar uns seis quilos! Logo agora que eu tinha mandado apertar aquela pantalona preta linda porque ela ameaçava cair em público. Agora isso!



E nem adianta dizer que nem parece que engordei, que ter o tipo físico da modelo esquálida é só para as modelos e que eu sou alta e isso não interfere. O grande problema é que eu me SINTO gorda. Tenho aquela sensação de que tem alguma coisa sobrando em mim na barriga, na perna, na bochecha. Fora que não há nada pior do que sentir que todas as roupas te apertam e incomodam e que o dinheiro da bolsa não dá pra renovar o guarda-roupa. E se não sou do tipo que toma anfetaminas ou faz dietas malucas, também não consigo parar de comer. Mas tudo isso é minha culpa, única e exclusivamente. Não consigo resistir a uma massa, um doce, passo horas sem comer e depois caio de boca em besteira, acho que a comida natural é feita de isopor colorido, passo muito tempo sem beber água... ou seja, tudo o que anula qualquer possibilidade de emagrecimento saudável.

Tudo isso começou quando comecei a morar sozinha. Primeiro que, por uma medida de controle de gastos, tive que dispensar a Carmelita, minha secretária do lar (vai chamar de empregada pra ver o que acontecia!). E não é só o problema de não ter alguém pra fazer seu almoço todo dia: a Carmelita era minha grande companheira, sempre almoçávamos juntas e conversávamos. A questão é que além de perder a pessoa que fazia minhas refeições (o que me força a viver de quentinhas e self-services já que não tenho tempo, saco nem talento para cozinhar), a falta de ter alguém em casa me faz cair de boca na geladeira e passar horas em frente da televisão ou do computador. Um prato cheio, com o perdão do trocadilho!

Poxa, eu não queria ter cinqüenta quilos. Só queria poder me sentir leve de novo pra caber na minha querida pantalona. Também não queria uma receita pra ficar magra em uma semana. Queria ter coragem. E disciplina. Será que um dia eu consigo?

quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Quando eu era menininha
minha mãe sempre dizia
pra não falar sozinha
nem nunca rir do nada
Mas o que posso fazer
se o mundo que habita em mim
não pára de falar comigo
nem de me fazer graça?

sábado, janeiro 27, 2007

Guerras Secretas



O primo quase sempre é o primeiro homem da vida de uma mulher. Há quem diga que é o pai, mas este acaba sendo mais uma referência, um parâmetro que, para o bem ou para o mal, nos levará a escolher os homens dali em diante. O primo, não. Por mais que nunca chegue a acontecer nada entre os dois, é na relação entre primos que descobrimos o outro, no sentido mais essencial do termo. E basta uma brincadeira inocente para descobrir essa diferença. Nos primos a força se manifesta nos braços, adoram mostrar o quanto são fortes jogando a bola com toda a força e mirando bem no nosso estômago. Sentem um prazer perverso de nos fazer chorar. Mas há também os cantos sensíveis, as cócegas e as dores das quais nos aproveitamos para desvencilhar deles nas muitas disputas. E são tantas, até pela última batata frita do prato. Geralmente são impulsivos, implicantes, parecem até que não sabem o que fazer com a gente. Irritam-se principalmente porque não somos iguais a eles: “menina não sabe”, “menina não pode”, “você é menina, não entende”. Nunca acreditam quando dizemos que somos capazes de subir aquela árvore tão bem quanto eles, mas nos incentivam a provar o contrário apenas para olhar por baixo das saias. Em compensação, se acabam de vergonha quando descobrimos as revistas de mulher pelada embaixo da cama ou que tem alguma coisa se movendo por baixo da bermuda, que nem mesmo eles sabem direito o que é.

Engraçado, por mais que tenhamos vivido tanto ou mesmo conhecido tantos homens diferentes e interessantes, as lembranças dos primos são sempre as mais ternas. Porque são as sensações primeiras, originais, inconscientes de si mesmas e, por isso, mais fortes e vívidas, mesmo quando se tornam memória. É como a primeira vez que se experimenta uma droga: é sempre para a sensação do “como se fosse a primeira vez” que se quer voltar. E o ápice desses momentos são as brigas. Só depois de muitos anos passados é que você se toca que aquela foi a primeira vez que você sentiu o peso, o calor, o contato, a força, a voz de um homem contra o seu corpo. Claro que o contexto era bem outro, e o homem no caso é um menino magricela e sem nenhum atrativo. Mas há um momento, no auge da disputa, em que os dois simplesmente param, silenciam, e a eternidade parece caber naquele conhecer-se mútuo. Você sente nele o medo, a inquietação, a ternura advinda daquele simples ato de olhá-la. É quando a menina descobre que sua verdadeira força não está em tentar ser como os meninos, e sim em outro lugar, e que isso pode ser tão devastador quanto um grupo de moleques se atracando na rua. A pressão dos braços vai afrouxando, mas o coração dele bate tão acelerado que você sente a vibração na sua pele mesmo a certa distância. E talvez seja nesse momento que ele perceba que a prima não é um menino incompleto, tanto que ele quer olhar para aquela coisa ao mesmo tempo linda e estranha. Mais de perto, mais de perto...

Mas aí a gente ouve a voz da tia (que pode ser a mãe dele ou a sua) chamando à nossa procura — abençoada seja a mania das mães de sempre se fazer escutar, mesmo ao longe. Em cinco segundos os dois se levantam e cada um corre para um canto diferente, mas não sem antes uma última troca de olhares, os dois mal conseguindo se encarar sem que haja um princípio de sorriso, até que desaparecem pela casa e voltam a ser crianças. Até a próxima disputa.

domingo, janeiro 14, 2007

Eu não sabia o que era amar. Nunca entendi bem os poetas, os romancistas, os músicos e todos aqueles que falam de amor. Por mais que os admirasse, falar de amor sempre me pareceu uma história que não me dizia respeito. Como falar sobre o frescor da relva e o cheiro de terra molhada ao amanhecer para alguém que passou a vida em um apartamento. Por isso muitas vezes, de mim para mim, achei que era incapaz de amar, por mais passional que eu sempre tenha sido. Mas amor não é paixão, que explode e desvanece no alucinante limiar da plenitude e do vazio. Tampouco é o que aparece nas novelas ou o que vejo muitos casais vivendo, pensando ser isso o amor — a não-solidão, ou pelo menos uma “solidão assistida”. Aaaaah! E ainda tive de nascer em um tempo em que tudo parece descartável, perecível, utilitário. Como saber o que é amar quando nem se tem a certeza de que as pessoas ainda são capazes de senti-lo? Sim, porque o amor não é algo universal, necessário, imprescindível... o é somente para aqueles que o sentem.

Aprendi que nem sempre a questão é saber amar, e sim esquecer o que é amar. Acho que foi isso que aconteceu comigo: esqueci que o amor é maior e melhor do que as alternativas que esse mundo nos dá. Ou mesmo que as pessoas nos dão. E agora, olhando para trás, Deus, como amei e fui amada! Porque eu vos digo, o amor está nas coisas simples: está em deitar a cabeça no colo da avó e sentir aquela mão enrugada e ancestral acariciando o seu cabelo. É sentar com sua mãe no chão e aprender a fazer o formato da mão no papel ou perder-se em pensamentos enquanto ela lhe corta as unhas. É pedir para o pai colocá-la nos ombros e se sentir como no topo da montanha mais alta, maior que o mundo inteiro. É sentir o amor nos olhos e nas mãos de um homem, e sentir em você mesma como borboletas a voltear pelo estômago. É estar sozinha, completamente sozinha, e poder ouvir as canções do vento ou apenas o pensamento. É não perguntar o quê, por quê, como, se, posso, devo, cabe. O amor nos percorre, nos habita, nos invade, nos esvai, nos torna esponja, nos torna um, nos faz um mundo. Por nada, por tudo, nós amamos e somos amados.

Mas quando o amor acaba e se ausenta e nos deixa vazios... quando o amor se torna dor, o corpo inteiro grita e se rebela como um animal enjaulado e enfurecido — somente aqueles que já sentiram esse tipo de dor terão a dimensão desta metáfora. A dor se torna tão maior, tão sem fim a ponto de desejar a morte, de querer desesperadamente não sentir, não sentir! Porque é quando dói, mais do que quando se ama, que temos a certeza de que estamos vivos. E que, por um momento, estivemos perto de estar mortos.

Só que depois de um tempo, você descobre que ainda está vivo. O corpo está alquebrado, o coração, em pedaços, mas ainda vivo. A travessia da dor foi feita e ela não foi capaz de te levar. Não há tristeza, não há alegria na vitória: apenas um grande cansaço. E é nessa terra arrasada e deserta que é preciso recomeçar, reaprender a sentir desde as lições mais básicas. Sentir o ar enchendo o corpo, o calor, o frio, o cheiro, o toque, o som, o silêncio, as batidas do coração, as entranhas se movendo, o chão embaixo dos seus pés e, por último, as pessoas ao seu redor. Mas a dor não passa imediatamente. De vez em quando ela volta, de assalto, mas cada dia menos, e menos até que passa um dia inteiro e você se esquece de sofrer.

Se isso tudo é justo, se isso é um castigo ou a prova de que Deus é um sádico manipulador? Acho que esse não é o critério. Ninguém deseja, espontaneamente, sofrer. Mas o homem é um bicho complicado, que só dá o verdadeiro valor às coisas quando não as têm. Mas quem sabe, uma hora dessas, ele acabe aprendendo a cultivar o amor e as pessoas que ama enquanto elas estão ali e nos momentos singelos em que ele se manifesta? Pobre homem, acho que estou sendo demasiado dura com ele. Não é raiva, não, é apenas pena diante dessa fragilidade travestida de indiferença e auto-suficiência. Mas isso passa, tudo passa...