quarta-feira, setembro 27, 2006

Por que (diabos) eu escrevo...

A minha relação com a escrita é árdua e contraditória. Escrever para mim sempre foi uma necessidade, uma coisa que sei que faço bem e na qual coloco o que há de melhor em mim. Mas ao mesmo tempo não consigo escrever tanto nem da forma como eu gostaria, ou porque não me acho boa o suficiente ou porque o ato de escrever exige muito de você, e eu não sei se eu tenho tanto assim a dar. Várias vezes eu tinha pensado em desistir de escrever até que assisti a uma entrevista com a Rachel de Queiroz — e ela é a escritora que mais admiro porque ela escreve de forma simples, traçando as coisas da vida com a mesma fluidez que a vida age sobre nós — dizendo que tinha uma preguiça absurda de escrever, a tal ponto que se alguém fosse vasculhar as gavetas de sua escrivaninha não encontraria sequer o rascunho de algo novo ou projetos paralelos. Não que isso tenha me consolado de todo, mas se Rachel foi o que foi sendo uma preguiçosa, quem sabe eu não tenho esperança?

Acho que escrevo desde antes de saber como escrever. Quando eu era bem menininha eu vivia divagando comigo mesma a história da Pasta Poderosa (meu Deus, eu não acredito que eu tô falando nisso, mas lá vai...). Era a história de uma princesa que precisava salvar o seu reino e o príncipe que ela amava usando a Pasta Poderosa, a única arma capaz de acabar com o mal do mundo. Acontece que, naquela época, começaram a aparecer as primeiras pastas de dente coloridas e a Signal vinha com aquelas linhazinhas vermelhas, bem docinhas e sabe Deus por quê eu achava aquilo o máximo (ah, eu tinha três anos e morava em Sobral, vocês queriam que eu divagasse sobre o existencialismo em Sartre?). Foi daí que surgiu a história da Pasta. Mas o importante disso tudo é que eu pegava várias folhas de papel e ficava tentando desenhar as letras, pensando nas situações que a minha princesa precisaria enfrentar para salvar o dia. Pobre da minha princesa, nunca dei um final para a sua jornada...

Depois que eu fiz a alfabetização, as coisas foram piorando. Minha mãe trabalhava no INSS (que no meu tempo ainda era INPS) e lá tinha um monte de máquina de escrever (porque no meu tempo ainda não tinha computador). Aí eu ficava a manhã toda lá, escrevendo umas notícias como se fosse de jornal. Acho que eu ouvia na televisão ou no programa do Isaías Nicolau (precursor sobralense do Ratinho no rádio que a Jesus, minha babá, adorava ouvir) e escrevia tudo na máquina. Minha mãe até hoje guarda uma “notícia” que eu fiz para a Folha de São Paulo sobre um assassinato a faca, ainda por cima com tinta vermelha! Naquela época eu achava lindo uma pessoa que sabia escrever à máquina, os dedos dançando no teclado, o barulho que ela fazia quando se empurrava aquele rolo pra bater a frase seguinte. E foi aí que eu comecei a pensar em ser jornalista, porque achava que todo dia eu ia poder escrever minhas histórias na máquina de escrever, não só as que eu ouvia como também as que brotassem da minha cabeça.

E hoje? Bom, minha mãe fez uma ótima economia quando se recusou a pagar um curso de datilografia pra mim e meu pai perdeu a grande esperança de ter uma médica na família. Eu comprei meu computador (em três prestações que pareciam não ter fim!) e a partir de hoje decidi que não vou usá-lo apenas para escrever o que eu ouço dos outros, mas também aquilo que se passa em mim (não vou dizer no meu coração ou na minha alma ou mesmo minha mente depois de ter lido Merleau-Ponty). Eu poderia contar muito mais sobre a minha história com a escrita, mas além de preguiçosa eu escrevo devagar e apenas com dois dedos (viu como o curso de datilografia poderia ter sido útil?). Então eu vou indo que tem um monte de texto e trabalho à minha espera. Adeus.