sábado, janeiro 27, 2007

Guerras Secretas



O primo quase sempre é o primeiro homem da vida de uma mulher. Há quem diga que é o pai, mas este acaba sendo mais uma referência, um parâmetro que, para o bem ou para o mal, nos levará a escolher os homens dali em diante. O primo, não. Por mais que nunca chegue a acontecer nada entre os dois, é na relação entre primos que descobrimos o outro, no sentido mais essencial do termo. E basta uma brincadeira inocente para descobrir essa diferença. Nos primos a força se manifesta nos braços, adoram mostrar o quanto são fortes jogando a bola com toda a força e mirando bem no nosso estômago. Sentem um prazer perverso de nos fazer chorar. Mas há também os cantos sensíveis, as cócegas e as dores das quais nos aproveitamos para desvencilhar deles nas muitas disputas. E são tantas, até pela última batata frita do prato. Geralmente são impulsivos, implicantes, parecem até que não sabem o que fazer com a gente. Irritam-se principalmente porque não somos iguais a eles: “menina não sabe”, “menina não pode”, “você é menina, não entende”. Nunca acreditam quando dizemos que somos capazes de subir aquela árvore tão bem quanto eles, mas nos incentivam a provar o contrário apenas para olhar por baixo das saias. Em compensação, se acabam de vergonha quando descobrimos as revistas de mulher pelada embaixo da cama ou que tem alguma coisa se movendo por baixo da bermuda, que nem mesmo eles sabem direito o que é.

Engraçado, por mais que tenhamos vivido tanto ou mesmo conhecido tantos homens diferentes e interessantes, as lembranças dos primos são sempre as mais ternas. Porque são as sensações primeiras, originais, inconscientes de si mesmas e, por isso, mais fortes e vívidas, mesmo quando se tornam memória. É como a primeira vez que se experimenta uma droga: é sempre para a sensação do “como se fosse a primeira vez” que se quer voltar. E o ápice desses momentos são as brigas. Só depois de muitos anos passados é que você se toca que aquela foi a primeira vez que você sentiu o peso, o calor, o contato, a força, a voz de um homem contra o seu corpo. Claro que o contexto era bem outro, e o homem no caso é um menino magricela e sem nenhum atrativo. Mas há um momento, no auge da disputa, em que os dois simplesmente param, silenciam, e a eternidade parece caber naquele conhecer-se mútuo. Você sente nele o medo, a inquietação, a ternura advinda daquele simples ato de olhá-la. É quando a menina descobre que sua verdadeira força não está em tentar ser como os meninos, e sim em outro lugar, e que isso pode ser tão devastador quanto um grupo de moleques se atracando na rua. A pressão dos braços vai afrouxando, mas o coração dele bate tão acelerado que você sente a vibração na sua pele mesmo a certa distância. E talvez seja nesse momento que ele perceba que a prima não é um menino incompleto, tanto que ele quer olhar para aquela coisa ao mesmo tempo linda e estranha. Mais de perto, mais de perto...

Mas aí a gente ouve a voz da tia (que pode ser a mãe dele ou a sua) chamando à nossa procura — abençoada seja a mania das mães de sempre se fazer escutar, mesmo ao longe. Em cinco segundos os dois se levantam e cada um corre para um canto diferente, mas não sem antes uma última troca de olhares, os dois mal conseguindo se encarar sem que haja um princípio de sorriso, até que desaparecem pela casa e voltam a ser crianças. Até a próxima disputa.

domingo, janeiro 14, 2007

Eu não sabia o que era amar. Nunca entendi bem os poetas, os romancistas, os músicos e todos aqueles que falam de amor. Por mais que os admirasse, falar de amor sempre me pareceu uma história que não me dizia respeito. Como falar sobre o frescor da relva e o cheiro de terra molhada ao amanhecer para alguém que passou a vida em um apartamento. Por isso muitas vezes, de mim para mim, achei que era incapaz de amar, por mais passional que eu sempre tenha sido. Mas amor não é paixão, que explode e desvanece no alucinante limiar da plenitude e do vazio. Tampouco é o que aparece nas novelas ou o que vejo muitos casais vivendo, pensando ser isso o amor — a não-solidão, ou pelo menos uma “solidão assistida”. Aaaaah! E ainda tive de nascer em um tempo em que tudo parece descartável, perecível, utilitário. Como saber o que é amar quando nem se tem a certeza de que as pessoas ainda são capazes de senti-lo? Sim, porque o amor não é algo universal, necessário, imprescindível... o é somente para aqueles que o sentem.

Aprendi que nem sempre a questão é saber amar, e sim esquecer o que é amar. Acho que foi isso que aconteceu comigo: esqueci que o amor é maior e melhor do que as alternativas que esse mundo nos dá. Ou mesmo que as pessoas nos dão. E agora, olhando para trás, Deus, como amei e fui amada! Porque eu vos digo, o amor está nas coisas simples: está em deitar a cabeça no colo da avó e sentir aquela mão enrugada e ancestral acariciando o seu cabelo. É sentar com sua mãe no chão e aprender a fazer o formato da mão no papel ou perder-se em pensamentos enquanto ela lhe corta as unhas. É pedir para o pai colocá-la nos ombros e se sentir como no topo da montanha mais alta, maior que o mundo inteiro. É sentir o amor nos olhos e nas mãos de um homem, e sentir em você mesma como borboletas a voltear pelo estômago. É estar sozinha, completamente sozinha, e poder ouvir as canções do vento ou apenas o pensamento. É não perguntar o quê, por quê, como, se, posso, devo, cabe. O amor nos percorre, nos habita, nos invade, nos esvai, nos torna esponja, nos torna um, nos faz um mundo. Por nada, por tudo, nós amamos e somos amados.

Mas quando o amor acaba e se ausenta e nos deixa vazios... quando o amor se torna dor, o corpo inteiro grita e se rebela como um animal enjaulado e enfurecido — somente aqueles que já sentiram esse tipo de dor terão a dimensão desta metáfora. A dor se torna tão maior, tão sem fim a ponto de desejar a morte, de querer desesperadamente não sentir, não sentir! Porque é quando dói, mais do que quando se ama, que temos a certeza de que estamos vivos. E que, por um momento, estivemos perto de estar mortos.

Só que depois de um tempo, você descobre que ainda está vivo. O corpo está alquebrado, o coração, em pedaços, mas ainda vivo. A travessia da dor foi feita e ela não foi capaz de te levar. Não há tristeza, não há alegria na vitória: apenas um grande cansaço. E é nessa terra arrasada e deserta que é preciso recomeçar, reaprender a sentir desde as lições mais básicas. Sentir o ar enchendo o corpo, o calor, o frio, o cheiro, o toque, o som, o silêncio, as batidas do coração, as entranhas se movendo, o chão embaixo dos seus pés e, por último, as pessoas ao seu redor. Mas a dor não passa imediatamente. De vez em quando ela volta, de assalto, mas cada dia menos, e menos até que passa um dia inteiro e você se esquece de sofrer.

Se isso tudo é justo, se isso é um castigo ou a prova de que Deus é um sádico manipulador? Acho que esse não é o critério. Ninguém deseja, espontaneamente, sofrer. Mas o homem é um bicho complicado, que só dá o verdadeiro valor às coisas quando não as têm. Mas quem sabe, uma hora dessas, ele acabe aprendendo a cultivar o amor e as pessoas que ama enquanto elas estão ali e nos momentos singelos em que ele se manifesta? Pobre homem, acho que estou sendo demasiado dura com ele. Não é raiva, não, é apenas pena diante dessa fragilidade travestida de indiferença e auto-suficiência. Mas isso passa, tudo passa...