domingo, julho 15, 2007

A Primeira Briga



Uma hora você está toda lépida e fagueira, olhando para a pessoa amada e se perguntando como tudo pode estar dando tão perfeitamente certo. Você se sente feliz — que nem pinto no lixo, como se dizia — só de poder olhar, abraçar, fazer carinho, essas coisas bobas e lindas que todo apaixonado faz e gosta de ter de volta. Afinal, ele te ama, você o ama, e os dois como casal são o equivalente material daquela coisa de “feitos um para o outro”. É, tudo isso é muito bom até que acontece a briga, o entrevero. E você percebe que o equilíbrio amoroso é tão instável quanto a teia de uma aranha. O coração vai ficando pequenininho na caixa do peito ao perceber que todo aquele lindo castelo que você construiu era de areia e a onda levou — pelo menos o castelinho do amor-perfeito, do mar de rosas que não existe mas que a gente sempre fica tentado pra se deixar fiar pela ilusão.

E quase sempre tudo começa de uma brincadeira, das implicâncias tão comuns entre namorados. Mas aí dá na cabeça de um interpretar de outra maneira o que o outro sempre faz ou achar que ele está passando do limite. Só que ao invés desse um — digamos a verdade, dessa uma, que mulher é quase sempre quem começa mesmo —, ao invés dela simplesmente dizer que não gostou, vai fazendo uma cena e começa a tomar os seus exageros, querendo fazer de sereno tempestade. E o outro naturalmente não vai gostar nada disso. Só depois de muito tempo é que ela se toca de que ele ficou magoado meeesmo. E aí não adianta mais abraço, beijinho, desculpa, explicação. Deu-se o insucesso, a briga está armada.

Você resolve ir prum lado esperando que ele venha fazer alguma coisa — você nem quer mais que peça, só quer que ele dê uma deixa pra você se desculpar. Mas ele fica pro lado dele, seco, parecendo outro. Talvez queira que você faça a mesma coisa. Talvez esteja curtindo a raiva, que homem no geral é fácil de lidar mas se magoa é a coisa mais dificultosa. E o pior é que você nem pode ir embora, esperar a raiva sua e dele passar: aconteceu justo no fim-de-semana em que ele foi te buscar em casa e agora você não tem como voltar. Podia-se pegar um ônibus, um táxi ou até mesmo pedir para ele te deixar em casa (mas cadê que o orgulho deixa?). Mas mesmo magoado ele não permite — e sair escondida sem avisá-lo só iria piorar as coisas.

Assim vai passando o tempo: um pro lado, outro pro outro, e no meio aquele silêncio desolador. De repente ele abre a porta do quarto. Você sabe que ele está te olhando, mas prefere fingir que está lendo atentamente uma página da internet falando sobre a vida dos ornitorrincos. Passa um tempo, ele vem e faz uma pergunta burocrática. Você fala tentando colocar um pouco de doce na resposta, mas ele nem percebe. Ele sai. Fica perambulando pela casa, você naquela expectativa... aí ele volta pro quarto e fecha a porta! Você não ouve mais o barulho da televisão, o silêncio fica ainda pior. Então resolve ir quietinha até o corredor e vê que ainda tem luz pela fresta da porta: está acordado. Mas até quando? Será que ele vai vir e burocraticamente te chamar para dormir? E você vai aceitar? Ou cair no choro que está segurando há mais de meia hora? Não, não, poderia parecer um estratagema para amolecer-lhe o coração, por mais que as lágrimas fossem verdadeiras. Como eu disse, sempre há o orgulho para abastecer esse tipo de situação. E se ele não vier nunca? Se ele for dormir sem nem querer saber como você ficará? Ai, não se sabe o que é o pior. A vontade nem é mais de ir embora. É de sumir, virar fumacinha diante de toda essa indiferença.

Mas aí ele vem de novo, com aquela vozinha carinhosa que você conhece. E te abraça, faz carinho, perguntando se você não vem dormir. Você quase não acredita: não sabe se ri, se chora, se faz as duas coisas juntas. Então vocês se olham, e de uma certa maneira tomam consciência de que as coisas não podem ser mais como eram, despreocupadas. Percebem que o amor é uma coisa por demais frágil e que precisa de muito cuidado. E talvez pela primeira vez ambos sintam medo. Aquela certeza pueril de que os dois se encaixam bonitinho dá lugar ao fato de que o equilíbrio é feito com um quebrando os cantos do outro pra se encaixar minimamente. E essa quebra é sempre dolorosa. Incerta quanto aos resultados, mas necessária. Mas basta aquele olhar de reconciliação para saber que vale a pena.