domingo, novembro 23, 2008

Ao Meu Avô ou O Perdão

As crianças costumam ver em qualquer pessoa de cabelos brancos e ternura nos olhos um avô ou avó. E como os pais de meu pai moravam longe e o pai de minha mãe morrera antes de eu nascer, o tio de minha mãe cumpriu essa função. Foi-me, por toda a vida, o vovô Isaías. Como ele morava no Ipu e nós, em Sobral, acordava-se muito cedo para pegá-lo em casa antes da missa. Lembro-me que era um homem alto, de olhos azuis e um porte que o fazia elegante até mesmo nos pijamas que usava em casa (na casa de Sobral creio que ainda há um desses pijamas, de tecido simples mas muito macio, assim como eu lembro que ele era). Mas o que mais me impressionava era vê-lo usar a lupa para ler livros, documentos e jornais. Achava lindo quando ele usava para ler, parecia muito austero, coisa de quem precisava conhecer a fundo o que lia. Muitas vezes eu a roubei para brincar de detetive pela casa e ver as coisas pequenas se agigantarem na lente, mas se percebeu nunca brigou comigo.

Enquanto se esperava que ele voltasse da missa, eu ficava a voltear pela casa, daquelas casas antigas em que não se fazia forro para correr o vento e amainar o calor. Ficava a analisar os desenhos do piso, os retratos antigos na parede, o guarda-roupa grande de madeira bem escura, o mosqueteiro branco por cima da cama, o relógio de pêndulo e a linda mesa de jantar em mogno - que hoje tenho em minha casa e espero nunca ter que me desfazer dela por contenção de espaço. Felizmente ela é retrátil.

Jamais estranhei o fato de que eu e meus irmãos o chamávamos de avô, enquanto mãezinha o chamava de tio. Não era de se derramar em sentimentalismos, mas sei que ficava feliz quando nos via. Tinha aquele abraço bom, ancestral, de fazer a gente sentir que nada de mal poderia nos ocorrer enquanto estivéssemos ali. E toda vez que me via me chamava de cabocla. Era a única vez que lhe tinha raiva, pois achava cabocla uma palavra feia. Um dia meu pai o fez notar minha chateação e ele me disse: "Oh, minha filha, mas cabocla é moça bonita do sertão!". E a partir de então me recitava versos, do qual infelizmente só lembro mal e parcamente deste trechinho:

Cabocla, linda do arraial
Vinha lá, lá de longe
Dos recantos de Sobral
Cabocla linda do meu querer
Tu és, amor, tão linda
Quanto a flor do muçambê

O engraçado é que minha mãe diz que ele era diferente quando era mais novo. Mais sério, mais severo, daqueles adultos que inspiram medo. Por mais que tentasse, jamais conseguiria vê-lo assim. Mesmo menina e sem entendimento, eu sentia que naquela fala dela ainda havia um pouco de mágoa. Depois de alguns anos, isso me fez ver que é preciso tempo para dissolver os cantos mais duros e que a velhice pode nos trazer um apaziguamento até de nós mesmos. O que quer que tivesse se passado em sua vida já não existia mais, e ele podia ser só o nosso avô de cabelo branco e voz rouca, cheirando a sabonete Senador.

Num desses dias em que fomos à sua casa, chegamos bem cedo, ele ainda estava no quarto. Consegui me embiocar num dos quartos para ver ele colocando o paletó de ver a Deus. Enquanto ele punha o chapéu, minha mãe veio por trás e o surpreendeu com um abraço. "Oh, Zoraida!", foi tudo o que ele disse. E os dois se olharam e trocaram algumas palavras que eu não consegui entender, mas eles pareciam tão felizes como aqueles que conseguem descansar os corpos de uma carga deveras pesada. Aquilo me marcou fundo.

Era a primeira vez que eu via o perdão.

sábado, novembro 22, 2008

Once Upon a Summertime

Voltei. De coisas que tomaram um tempo necessário trazendo grandes compensações. De altos e baixos que ainda estou a definir o destino. Mas com uma saudade enorme de escrever para mim e para este blog (só espero que as moscas não tenham enjoado da visão de Dietrich e escolhido outra atriz alemã para adorar). Confesso que nesse afastamento tem um bocado de preguiça também, mas ainda não desisti de acreditar que eu ainda tenho emenda. Antes tarde do que nunca, a gente sente aquele formigar na alma pra dizer nem que seja besteira. Estou tentando. Disse para uma pessoa que escreveu uma crônica e pediu a minha opinião que, independente de ser boa ou ruim, uma idéia só vale a pena depois que ela sai da nossa cabeça. Na vida a gente tem que dar a cara a tapa e rir pra não chorar. E mesmo que as coisas não estejam na mais absoluta (e tediosa) perfeição, sinto que a vida tem sido tão generosa e bela que nem mesmo a proximidade das festas de fim de ano vão me abalar. Sinto-me feliz em ser forte e saudável. Em poder ver meu sobrinho crescer e sentir que nossa descendência é o melhor legado que podemos dar ao mundo. Em poder comprar um livro que tanto queria com 50% de desconto. Em voltar a ouvir música, principalmente nos ônibus. Em ter escapado de roubadas envolvendo moradia. Em trabalhar com o que gosto. Em poder fazer planos para o futuro. Em mudar de vida. Em fazer anos. Enfim, estou de volta!