quinta-feira, agosto 09, 2012

A vergonha dos outros

Na saída da sessão de Shame, muita gente saiu da sala visivelmente decepcionada. Um cara chegou a dar de ombros pra namorada, algo do tipo “que diabo de filme é esse que você me obrigou a assistir?”. Acho que boa parte da expectativa frustrada da plateia se deve ao fato de que Shame não é um filme erótico. A excitação que permeia a vida de Brandon (Michael Fassbender) nas primeiras cenas pode até dar a entender a ligação com o gênero, com muita masturbação, one night stands, prostitutas e pornô virtual — sem falar do próprio Fassbender em nu frontal, que é qualquer coisa de inesquecível. Mas o filme de Steve McQueen não poderia ter título mais apropriado, o que faz de Shame uma obra que leva o espectador aos estertores do humano.

Ao ler a sinopse, é quase inevitável o fetiche do homem solteiro, bem sucedido, morando sozinho em Nova York — poderia ser até o mote de uma comédia romântica, se acrescentassem um casamento e aplausos ao final. Mesmo sabendo que Brandon é viciado em sexo, não parece que este seja dos mais desagradáveis. Mas logo se percebe que Brandon não faz sexo porque gosta, ele simplesmente não consegue parar. A compulsão encobre um homem triste, obtuso, que não consegue manter vínculos afetivos, o que fica mais evidente com a chegada da irmã, Sissy (Carey Mulligan), que pede para passar um tempo em sua casa. Além dos transtornos da companhia indesejada à sua “rotina”, ele não consegue lidar com a carência e o desamparo de Sissy. Cada um, à sua maneira, vai trilhando o caminho da autodestruição.

Li algumas críticas duras ao filme, pelo fato de não explicar a origem do comportamento compulsivo de Brandon e da exposição emocional de Sissy. Mas acho que este é exatamente o grande trunfo do filme, ao fugir de um psicologismo que fatalmente tiraria a força do enredo. A direção do britânico Steve McQueen deslinda a trama de forma precisa, focalizando uma Nova York inicialmente panorâmica e indiferente, que pouco a pouco vai descendo, se apequenando até os nichos e becos em que a degradação de Brandon chega ao extremo. A presença de vidros é obsessiva, num jogo em que o transparente e o translúcido reforçam a impermeabilidade do personagem. Nu ou vestido, Fassbender faz uma interpretação brilhante, expressando em sutis maneirismos ou no auge de uma suruba o desespero e a perda de si para a compulsão. Carey Mulligan soube dar o tom certo a um personagem arriscado, que poderia cair no caricato ou no melodrama, e sua interpretação de New York, New York desconstrói de forma magistral a versão clássica de Sinatra.

Se você não assistiu Shame porque achava que era só mais um filme de sacanagem, não perca a chance de ver um filme que conseguiu ser terno e brutal. Se você queria ver só pela sacanagem, permita-se ver algo mais e vá ao cinema do mesmo jeito. Don’t be ashamed.

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